Dedução Integral das Despesas de Instrução de Pessoa com Deficiência em Escola Regular — Tema 324 da TNU
O tratamento tributário das despesas educacionais no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) sempre foi delimitado por regras específicas: enquanto as despesas com educação possuem limite anual de dedução, as despesas médicas podem ser abatidas de forma integral. Essa distinção gerava dificuldades para famílias de pessoas com deficiência, especialmente em situações em que a escolarização se confunde ou se integra ao tratamento terapêutico.
Por muitos anos, a Receita Federal interpretou que apenas as despesas de instrução realizadas em instituições exclusivas para pessoas com deficiência poderiam ser deduzidas como despesas médicas, com base no art. 73, § 3º, do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 9.580/2018) e na Instrução Normativa RFB nº 1.500/2014.
A autarquia sustentava que o termo “entidades destinadas a pessoas com deficiência” significaria instituições exclusivamente voltadas a esse público, excluindo escolas regulares do enquadramento fiscal mais favorável.
Essa interpretação foi submetida à análise da Turma Nacional de Uniformização (TNU) no Pedido de Uniformização nº 0514628-40.2021.4.05.8013, que culminou no julgamento do Tema 324. No caso concreto, os responsáveis por um menor com Transtorno do Espectro Autista (TEA) buscavam o reconhecimento de que os valores pagos a escola regular deveriam ser considerados despesas médicas dedutíveis, por integrarem o tratamento global do aluno. A União contestou, afirmando que se trataria de ampliação indevida de benefício fiscal, mas o argumento não foi acolhido.
Ao julgar a controvérsia, a TNU fixou a tese de que:
“São integralmente dedutíveis da base de cálculo do Imposto de Renda, como despesa médica, os gastos relativos à instrução de pessoa com deficiência física, mental ou cognitiva, mesmo que esteja matriculada em instituição de ensino regular.”
O entendimento da TNU está fundamentado em normas constitucionais e internacionais. A Constituição Federal estabelece que o atendimento educacional especializado deve ocorrer preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208, III). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação reforça que a educação especial é uma modalidade oferecida dentro das escolas regulares (art. 58). Além disso, a Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com status de emenda constitucional, determina que o Estado deve garantir sistema educacional inclusivo em todos os níveis, vedando discriminação por motivo de deficiência.
A partir dessa estrutura normativa, a TNU concluiu que a interpretação restritiva anteriormente adotada criava obstáculo ao direito à inclusão educacional. Segundo o acórdão, não há base legal para diferenciar, do ponto de vista tributário, despesas de instrução realizadas em escola regular daquelas realizadas em instituições exclusivas. Assim, quando a instrução atende finalidade terapêutica, relacionada ao desenvolvimento da pessoa com deficiência, deve ser tratada como despesa médica, independentemente do tipo de instituição de ensino.
A decisão possui efeitos práticos relevantes. A partir do Tema 324, despesas escolares de pessoas com deficiência podem ser deduzidas integralmente do IRPF como despesas médicas, e não mais como despesas com educação sujeitas a limite anual. A dedução pode abranger as mensalidades e os valores pagos à instituição de ensino relacionados à instrução do aluno. Caso essas despesas tenham sido declaradas como educação comum em anos anteriores, é possível revisar as declarações dos últimos cinco anos.
No entanto, havendo negativa ou ausência de reconhecimento do direito pela Receita Federal, a via judicial se mostra o meio mais efetivo para buscar a restituição dos valores e a aplicação do entendimento firmado pela TNU.
Essa uniformização de entendimento representa um avanço na interpretação da legislação tributária, pois alinha o tratamento fiscal ao modelo constitucional de educação inclusiva e ao princípio da dignidade da pessoa com deficiência. Ao reconhecer que a instrução em escola regular pode ter natureza terapêutica, a TNU reafirma que o sistema tributário deve observar os direitos fundamentais previstos na Constituição e nos tratados internacionais.
O Tema 324 demonstra que a tributação não pode funcionar como barreira à inclusão. A partir da decisão, a análise do direito à dedução integral deixa de se concentrar no tipo de instituição educacional e passa a considerar a finalidade da despesa e a proteção da pessoa com deficiência, garantindo coerência entre o sistema tributário e a legislação protetiva.
Se a dedução não estiver sendo reconhecida ou houver necessidade de discutir valores dos últimos cinco anos, contar com orientação jurídica adequada pode fazer diferença na condução do processo. Nosso escritório atua nesse tipo de demanda e está à disposição para analisar a documentação e indicar, com segurança, os próximos passos para buscar o reconhecimento do direito.
Paulo Leitão Advogados